SANTIAGO DE COMPOSTELA. Eu fiz o Caminho!

Postado por: Arestides Porangaba | 25/07/2019

SANTIAGO DE COMPOSTELA.

Eu fiz o Caminho!

Faziam cinco anos que tinha retornado aos pedais, mas, em sã consciência, jamais passou pela minha cabeça viver a aventura que estava por acontecer. Não lembro direito como aconteceu, mas, de repente, passei a integrar um grupo que iria fazer o Caminho de Santiago de Compostela, de bicicleta. Sob a liderança de Antônio Jiménez Gómez, sócio da Agência Cultour Spain, formou-se o grupo constituído de doze ciclistas, (dez brasileiros nordestinos e um espanhol). E lá fomos nós em 28 de agosto de 2014 pedalar “nas europas”. Sensacional o Caminho de Santiago de Compostela de bicicleta – Roncesvalles até Santiago, espetacular a assistência e os cuidados diuturnos recebidos por todos do grupo, infraestrutura impecável, apoio logístico diário no caminho, etc., etc. Merecedor de todos os agradecimentos, Antônio Jiménez transformou-se no grande responsável pelo sucesso da aventura inesperada.

Minha “história”, entretanto, não termina aqui.

Por motivos vários, meus pedais sempre foram realizados na companhia de amigos-companheiros ciclistas. Entretanto, a vontade de pedalar sozinho, também por vários motivos, sempre me deixava inquieto. Em agosto de 2016 decidi realizar, este sim, “meu sonho” ciclístico, me dando de presente pelos 75 anos completados “cicloturistar” pelo Caminho de Santiago de Compostela, pela segunda vez, sozinho. Aliás... eu, minha magrela, minhas tralhas e Deus. Assim fiz.

Decisão tomada iniciei os procedimentos naturais que uma viagem desta demanda. Comprei a passagem ida e volta e não fiz nenhuma reserva para minhas estadias e paradas pelas cidades onde iria pernoitar. Verifiquei toda a documentação necessária, incluindo passaporte, cartão de crédito/débito e “euros” necessários à um mínimo de conforto. Da mesma forma fui cuidar da “magrela” e de todos os outros itens necessários relativos a alforjes, vestuário, higiene, medicações, etc.

Para não ficar cansativo e tentar ser diferente de outras tantas narrativas sobre viagens ciclísticas (10. dia, 20. dia, etc.) vou procurar resumir minhas travessuras em terras francesas e espanholas e ressaltar o que mais me marcou nesta aventura solo. Fui!!!

Maceió até Madri, ok! Madri até Pamplona, quis ir de trem, mas, já na estação ferroviária, fui informado que não poderia viajar com a bike. Por sorte surgiu um jovem funcionário da Ferroviária, brasileiro, carioca e torcedor do Flamengo. Usou da sua influência e conseguiu permissão para que o outro brasileiro, nordestino e também torcedor do Flamengo, viajasse com sua bike. Beleza! Viagem ótima, visual muito bonito com uma diversidade enorme de paisagens.

Chegando em Pamplona fui direto para o Hotel que já tinha me hospedado na viagem anterior. Capital da comunidade autônoma de Navarra, cidade histórica, linda e acolhedora, permaneci por dois dias para ajustar a bike, passear pela cidade (Praça dos Touros, Catedral, Castelos), despachar o malabike para Santiago de Compostela e comprar passagem de ônibus para Saint-Jean-Pied-de-Port (França), início efetivo da minha aventura solo.

Após viagem tranquila e chegada também tranquila, a primeira de muitas emoções vivenciadas: ao pisar em solo francês e ouvir a língua francesa, minhas lembranças me levaram até minha querida mãe, Liciéria Porangaba Vasconcellos, nordestina, moradora no Rio de Janeiro por mais de 60 anos e apaixonada por tudo que dizia respeito a França. Tão apaixonada que, depois de criar, educar e casar todos os seus cinco filhos, foi estudar francês na Maison de France e realizar seu maior sonho: conhecer Paris e arredores.

Como não tinha reserva fui procurar hospedagem até encontrar um Hostel – cidade movimentada e lotada com turistas de todas as partes do mundo que iriam fazer o caminho. Após instalado fui conhecer um pouco da pequena cidade, sua arquitetura secular, fazer refeição, degustar um bom vinho francês e descansar para enfrentar os Pirineus no dia seguinte.

Após uma boa dormida, fui tomar meu café acompanhado com uma “pequena taquicardia”, fruto da minha ansiedade, nervosismo e expectativa. Retornei ao quarto, conclui arrumação das tralhas, me despedi do francês proprietário do Hostel e rumei para iniciar minha aventura solo, sem imaginar o que me esperava.

Para que os fatos fiquem bem claros, de St. Jean para Roncesvalles tem-se que pedalar cerca de 35/40 km, passando pelos Pirineus, com uma altimetria de mais de 1500 metros.

Já no Caminho encontrei com vários brasileiros que estavam fazendo o caminho a pé. Acenos, desejo de boa sorte, sucesso, etc. e fui seguindo em frente, iniciando o percurso ainda com estrada asfaltada e já com aclives um pouco assustadores.

Percorridos mais de 15 km do percurso, comecei a sentir dores muito fortes na coluna. Tendo alcançado uma altimetria considerável, parei para tomar um comprimido e não encontrei minha caixa de medicamentos nos alforjes. Pensei: esqueci na Pousada francesa.  Se aproximaram dois ciclistas espanhóis que me aconselharam a retornar à Pousada com o argumento que era meu primeiro dia e que eu não conseguiria comprar medicamentos na Espanha sem receitas médicas.

Assim eu fiz. Extremamente chateado retornei para St. Jean.

Na Pousada não tinha deixado nada e fui sugerido pelo Gerente francês a procurar melhor nos alforjes. Lá estava minha caixa de medicamentos...

Após tomar os medicamentos necessários e ainda muito decepcionado, decidi não retomar o caminho em função do adiantado da hora e pegar um transporte direto para Roncesvalles.

Chegando em Roncesvalles fiz minha reserva no Albergue da Real Colegiata, depois fui almoçar e aguardar a hora de ingressar no alojamento. Fui instalado em um cômodo, sem porta, com três lindas dinamarquesas. A noite fui assistir à missa dos peregrinos e ser abençoado. Fazia frio, eles não fornecem cobertores e eu não tinha levado meu saco de dormir. Noite nada agradável.

Dia seguinte, arrumação das tralhas e buscar onde tomar café da manhã, que não é fornecido pelo albergue e iniciar, finalmente, o Caminho até Santiago de Compostela.

Vale destacar alguns pontos que efetivamente marcaram esta minha aventura.

O Caminho

Em todo o percurso percorrido perde-se a conta de tantos atrativos que nos chama a atenção e nos faz parar de pedalar e apreciar. O Caminho em si integra uma enorme infraestrutura formada por fortalezas, estradas vicinais e de asfalto, pontes, enorme variedade de hospedarias, mosteiros e catedrais. O próprio piso do terreno já nos chama a atenção em função de sua diversidade, variando entre alguns poucos quilômetros de asfalto e muitos quilômetros de trechos muito ásperos, trechos de barro, e trechos perigosos de pedras, exigindo sempre muito cuidado do ciclista, principalmente considerando o peso da bike com alforjes, etc. Chama a atenção também vários trechos de single-track e o número de subidas. Tem muitas subidas e descidas, valendo destacar a subida do Cebreiro.

Chama a atenção em todo o Caminho, desde o seu início até o seu final, é a sinalização. O Caminho é sinalizado com “flechas amarelas” pintadas nos postes, nos muros, nas arvores e até no próprio piso de terra. Difícil se perder!

Outra coisa que me chamou atenção, certamente em função da minha idade e também do meu bigode e cabelos brancos... quase sempre que eu dava uma parada para respirar, descansar e beber água chegava alguém para perguntar “estás solo”?, “necesita ayuda”? O relacionamento entre todos que fazem o Caminho, por vezes “mudo”, é sensacional. Todos parecem estar atentos a todos.

Hospedagens e Alimentação

Vale repetir o que tenho sempre afirmado: a hospedagem é ponto importante para quem faz cicloviagens/cicloturismo. Pedalar durante o dia, tomar um bom banho e uma boa noite de sono é fundamental para o dia seguinte.

Como não tinha feito reservas para dormidas, comecei a me preocupar, pois os albergues, hostels, pousadas, etc. priorizam quem faz o caminho a pé. Acordava muito cedo para sair cedo e chegar cedo na próxima cidade, no sentido de garantir dormida. Não me adaptei bem as dormidas em albergues, por motivos variados.

Em determinado momento pedi socorro ao meu amigo espanhol, Antônio Jiménez. Depois de levar uma enorme bronca, tipo: “você é um irresponsável Arestides, doido, na sua idade sair sozinho do Brasil, com a bike carregada e sem fazer reservas”. “Tá, mas vou te ajudar”. Graças a Deus!!! De três em três dias eu fazia contato com Antônio Jiménez e ele fazia reservas em locais mais confortáveis. Passei a dormi bem, me alimentar bem pela manhã e seguir viagem.

Vale registrar que em todo o percurso há uma enorme variedade de albergues, hostels, pousadas e hotéis particulares para se hospedar. Tem preços variados para todos os gostos e demandas.

Da mesma forma os locais para se alimentar são de uma enorme variedade. Vários restaurantes, bares e lanchonetes em todo o Caminho, disponibilizam o que eles denominam de “menu-peregrino” com preços bastante acessíveis que incluem água, vinho, entrada, prato principal, sobremesa e até cafezinho.

Para Admirar, Curtir e não mais esquecer

Em todo o percurso percorrido de bike, perde-se a conta o número de variados atrativos para se admirar, curtir e não mais esquecer. É difícil mas há alguns destaques que merecem ser mencionados, sem nenhuma preocupação com ordem sequencial:

  • v Missa dos Peregrinos em Roncesvalles
  • v Cidades, povoados e vilarejos com enorme representação histórica como Pamplona, Burgos, Leon, Logroño, Astorga, Estella e Santiago de Compostela.
  • v Leon é muito marcante pela reunião de prédios históricos e artísticos como a Catedral, a Basílica de San Isidro, o Hospital de San Marco.
  • v Muitas áreas rurais cultivadas, com destaque, em função da época para as vinícolas de Irache.
  • v Pontes históricas e lindas como a Puente de La Reina, construída no século XI.
  • v A maravilhosa Catedral de Burgos.
  • v A cansativa e ao mesmo tempo maravilhosa subida do Cebreiro, que atinge em seu pico 1.300 metros de altitude.
  • v A deslumbrante Cruz de Ferro que fica há 1.504 metros de altitude.

Autor do post

Arestides Porangaba

http://www.bikeandoalhures.com.br

78 anos, Consultor Empresarial em atividade, apaixonado pela Magrela e Criador do Blog Bikeando Alhures.